(Mt 7.11)
Eduardo Ribeiro Mundim
Escrito em 15/03/99
Jesus
sempre teve um cuidado e um carinho especial para com as crianças.
Todos que são familiarizados com as Sagradas Escrituras conhecem os
textos como Mt 19.13-15: "deixai as crianças e não as impeçais de virem a
mim, pois delas é o Reino dos Céus". Frequentemente Jesus as usava como
parábola. Por exemplo, na situação desagradável causada pelos doze,
quando discutiam sobre quem seria o maior no Reino dos Céus: "Em verdade
vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como as
crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus" (Mt 18.3). E no
texto em foco, o exemplo é retirado do dia a dia ordinário: "Quem dentre
vós dará uma pedra a seu filho, se este lhe pedir pão? Ou lhe dará uma
cobra, se este lhe pedir peixe? Ora, se vós que sois maus sabeis dar
boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos
céus dará coisas boas aos que lhe pedem!"
Um
dos modos de definirmos Deus (e enquanto seres humanos necessitamos de
conceitos, sejam eles claramente formulados ou não) é através de Seus
atributos: amor, justiça, bondade, misericórdia, etc. E sem dúvida,
temos uma dificuldade muito grande em lidarmos com os aspectos
contrastantes: amor e justiça. A dificuldade é evidente nas nossas
dicotomias: intelectualmente, O reconhecemos como Pai amoroso, mas no
nosso coração predomina aquela figura de um quadro muito famoso, onde a
Trindade é representada por um olho que tudo vê (e pune). Nossa boca
confessa o perdão que a morte e a ressurreição trouxeram, mas nossas
atitudes demonstram a pouca confiança que temos nele. Constantemente
nosso lado mórbido é chamado a expressar-se.
Temos
pouca tolerância com nossos erros e pecados. Erroneamente o chamado
para sermos santos "como Deus é Santo" é compreendido, na prática, como
uma proibição de falhar. E qualquer falha como um desastre, cujas
proporções são ditadas mais pelo nosso sentimento de culpa patológico
que por uma avaliação honesta do significado dela em nossa vida e em
confronto com as Escrituras.
A
partir do momento que me tornei pai comecei a ter experiências únicas,
difíceis de descrever, tanto objetivamente como subjetivamente. Aqueles
que têm a mesma experiência (incluindo as mães) as reconhecerão com
facilidade. Penso naquela fase onde a linguagem está começando a se
desenvolver, e portanto, o raciocínio está iniciando sua complexidade.
Um dos meus prazeres na paternidade é ver meu filho de 2-3 anos crescer e
se desenvolver; adquirir novas habilidades; dar gritos de alegria
quando consegue vencer algum obstáculo. Meu coração se enche de ternura
quando ele se aborrece por não conseguir alguma coisa que arduamente
tenta e não consigo me irritar por demonstrar inumeráveis vezes o que
deve e o que não deve ser feito.
Determinado
dia, flagrei a mim mesmo pensando que, na verdade, Deus deve agir
conosco do mesmo modo com agimos com nossos filhos nessa idade. A
diferença entre eles e nós é óbvia; nossa estatura, física, intelectual e
emocional é bem "superior". Parece existir uma grande distância entre
nós. Talvez seja óbvio que é uma distância bem menor que o abismo que
nos separa do Pai: "Com efeito, os meus pensamentos não são os vossos
pensamentos, e os vossos caminhos não são os meus caminhos, oráculo de
Iahweh. Quanto os céus estão acima da terra, tanto os meus caminhos
estão acima dos vossos caminhos, e os meus pensamentos acima dos vossos
pensamentos"(Is 55.8,9). Mas o fato é que a distância, para nossos
filhos, é intransponível, nesse momento, tão intransponível quanto a
nossa distância para o Pai. É claro que o tempo e uma educação adequada a
farão diminuir, mas, mesmo assim, ela sempre existirá, com cores e
ênfases diferentes. Em relação a Deus, é óbvio, nosso progresso é e
sempre será infinitamente menor.
Ora,
se nós, com nossas imperfeições, nosso cansaço e nossa frustração
diária sabemos nos comportar assim quanto mais nosso Pai Celeste? Não
seremos nós juízes severos demais de nós mesmos? Quantos dos nossos
pecados não serão tão graves quanto a dificuldade das crianças em
permanecer em pé enquanto tomam banho sobre um piso escorregadio?
Quantos dos nossos erros não serão simples e inocentes travessuras?
Não
estou afirmando que Deus não é justiça e que não há punição para erros
(e, habitualmente, elas são mais consequências naturais das nossas
escolhas que uma ação direta, pessoal, única, a nós dirigida). Mas
questiono o rosto por demais severo de Deus que muitos de nós temos
cultivado e transmitido a nossos conhecidos e pior, a nossos filhos.
Muitos de nós, devido as nossas características mórbidas pessoais
preferimos ouvir falar sobre o juízo que sobre o perdão, sobre o castigo
que sobre o abraço amoroso. Desequilibradamente enfatizamos mais o
versículo "sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos pais sobre os
filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam" e não nos
deixamos penetrar, até o fundo de nossa alma doentia, pelo seu
complemento "mas que também ajo com amor até a milésima geração para
aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos" (Ex 20.5,6).
publicação original, 04/09/08, http://crerpensar.blogspot.com.br/2008/09/parbola-do-filho.html
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