Eduardo Ribeiro Mundim
(Jo 20.19-29)
"Porque viste, creste? Felizes os que não viram, e creram".
As palavras de Jesus a Tomé ecoam desde aquela época até os dias
de hoje. Todo esse incidente nos fala de dúvida. E Dídimo não foi
o único a duvidar. Passou à história de modo injusto, como se
fosse o único incrédulo dentre os onze, quando apenas expressou de
modo claro o que, na verdade, todos os discípulos pensavam em
segredo: será verdade? O que prova que Ele ressuscitou? A passagem
paralela em Lucas deixa claro o que a de João apenas cita: Jesus
provou sua corporalidade a todos os apóstolos.
Vamos rever os fatos, em conjunto com Lc 24.36-42:
1.
Jesus se apresenta aos discípulos reunidos
2.
Eles temiam os judeus (provavelmente as portas estavam
trancadas e as janelas cerradas)
3.
Eles se assustaram com a súbita aparição de Jesus
4.
O confundiram com um "fantasma"
5.
Jesus insiste que o apalpem e o vejam, atestando o fato da
ressurreição
6.
Ele os comissiona
7.
A dúvida de Tomé
8.
O novo encontro e a confissão de Tomé
Esse momento, somado aos demais encontros pós-crucificação, é
vital para a história da salvação. É necessário que a
ressurreição seja fato histórico, incontestável. Ela não pode
ser uma metáfora, ou um sonho, mas uma realidade visível, ainda que
somente pela fé, para os que não O viram. Paulo demonstra a questão
quando escreve à igreja em Corinto (I Co 15):
1.
A ressurreição de Cristo é garantia de que nossos pecados
estão perdoados
2.
Ela também garante que ressuscitaremos, ou seja, de que nosso
destino final não é a morte
3.
Portanto, se Jesus não ressuscitou, não há pecado perdoado
nem morte vencida
4.
Se não há ressurreição, todo o Evangelho é uma ilusão,
sendo melhor "curtir a vida" que "perdê-la" por
um sonho absurdo
Os apóstolos e os primeiros discípulos serão os únicos a conviver
com quem esteve morto mas reviveu em definitivo[1],
estando hoje na presença de Deus Pai. Os demais cristãos terão de
aceitar o fato pela fé, ou seja, sem provas, no espírito de
Hebreus: "fé é ... a prova de que existem coisas que não
vemos" (Hb 11.1, tradução na Linguagem de Hoje - SBB).
Durante seu ministério, Jesus enfrentou questionamentos acerca de
sua autoridade e identidade. Apesar de todos os milagres e prodígios
que já executara, certa ocasião foi-lhe requisitado que provasse
sua messianidade. Respondeu que o único sinal que daria seria a sua
morte e sua ressurreição. Os evangelhos não registram nenhum
contato pós-crucificação entre Ele e aqueles que se postavam como
seus inimigos. O sinal de Jonas teria de ser aceito por eles, através
da fé...
Noutro momento Ele frisa a importância da certeza de que as
Escrituras são a Revelação do Pai. Narra a parábola do rico e de
Lázaro. Aquele solicita a Abraão que permita ao último retornar ao
mundo dos vivos, a fim de avisar seus parentes e amigos dos riscos
que corriam pela vida que levavam. Afinal, o testemunho de alguém
que ressuscitasse seria levado a sério. Abraão é taxativo: os
vivos têm a Revelação escrita (Moisés e os profetas). Se não creem nela (pela fé), não crerão em nenhum tipo de testemunho.
A parábola coloca que a questão não é de evidência externa, ou
científica; é de evidência interna, íntima- aquilo que estamos
dispostos, ou não, a acreditar. Por isso foi mais conveniente às
autoridades subornarem os guardas para espalharem que o corpo de
Cristo tinha sido roubado (Mt 28.11-15). Igualmente, foi mais fácil
ao Faraó "endurecer seu coração" a acreditar no Deus de
seus escravos. Dados científicos dizem "o conjunto dos dados
disponíveis torna altamente provável que isso ou aquilo seja
verdadeiro", validando o "é possível", ou dizem: "o
conjunto dos dados disponíveis torna altamente improvável que isso
ou aquilo seja verdadeiro". Ou seja, nada provam; apenas embasam.
O que nos torna cristãos é, na verdade, a ação do Espírito em
nós, convencendo-nos de nossa distância dos propósitos do Criador
(ainda que tenhamos aspectos bons), do nosso estado de perpétua
rebeldia (ainda que, eventualmente, nos submetamos) e da
intermediação que a morte e a ressurreição fazem entre o Pai e
nós, de modo que somos aceitos, mesmo que inadequados e
desobedientes (ainda que não compreendamos por que as coisas são
assim).
O que nos torna cristãos é, na verdade, uma aceitação dos fatos
acima por evidência íntima, não porque temos convicção que
alguém ressuscitou dos mortos. A partir da convicção "do
pecado, da justiça e do juízo", é que cremos na
ressurreição.
Somos convencidos, ou não, intimamente, pelo somatório de diversos
fatores, como, por exemplo: a criação que tivemos, nossa estrutura
psicológica, nosso ambiente cultural, a forma como a mensagem do
Evangelho foi apresentada, nossas escolhas pessoais e nossa natural
resistência à soberania de Deus. Mas, uma vez apresentados a Ele,
nada escusa a Sua rejeição permanente[2].
As Escrituras dizem:
"Os céus contam a glória de
Deus,
e o firmamento proclama a obra de suas mãos" (Sl 19.1)
e o firmamento proclama a obra de suas mãos" (Sl 19.1)
mas,
"Diz o insensato no seu
coração:
'Deus não existe!'" (Sl 14.1)
'Deus não existe!'" (Sl 14.1)
É curioso que a metáfora de Paulo sobre o Reino ("agora
vemos em espelho e de maneira confusa" - I Co 13.12a) é
perfeitamente aplicada à ciência. Ela apenas nos dá um vislumbre
das possibilidades, não uma certeza absoluta. Aliás, em termos
científicos, o que é supostamente verdade hoje, deixa de sê-lo
amanhã.
Portanto, cremos porque o nosso coração se inclina para crer, não
porque nossa razão nos obriga (ainda que uma compreensão racional
da fé seja necessária para um crescimento espiritual saudável).
"Felizes os que não viram, e creram".
[2] uma interpretação comum do significado da expressão "pecado contra o Espírito Santo" é
publicado originalmente em 29/08/08 em http://crerpensar.blogspot.com.br/2008/08/dvida-de-tom.html
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