Eduardo Ribeiro Mundim
Escrito em 13/05/99
Esse
mandamento, um dos últimos que Jesus nos deixou, é tido por muitos como
o mais importante, estando sempre agregado ao "ide por todo o mundo".
Testemunhar, pois, sempre foi uma preocupação do povo chamado
evangélico. E essa noção é sempre ressaltada, tanto a nível da escola
bíblica dominical quanto a nível do púlpito. Talvez como consequência da
esperada conversão, não apenas das ideias, mas das atitudes (a vida do
cristão passa a ter um novo referencial ético), e também com a
necessidade sentida de fazer-se ímpar frente à sociedade pagã, somos
conhecidos, em alguns lugares, pela negativa: crentes são aqueles que
NÃO dançam, NÃO fumam, NÃO bebem...
Mas o que é testemunhar?
O que temos a testemunhar?
O
Aurélio nos ensina que testemunhar pode ser tanto intransitivo, quanto
transitivo direto e/ou indireto. Em todas as regências, alguém
testemunha quando declara, ou depõe em um tribunal, fatos que conhece,
seja pelo ouvir ou pelo ver. No primeiro caso, ela é dita "auricular";
no segundo, ocular. Como exigência formal em alguns procedimentos
legais, alguém pode ser convocado, chamado, para validar certo ato, que
somente será válido juridicamente porque foi assistido por outra pessoa;
é a testemunha instrumentária. Quem presta depoimento, testemunha sobre
aquilo que sabe por conhecimento próprio, ou advindo de terceiros, mas,
fundamentalmente, fala daquilo que tem por verdade, segundo sua
capacidade interpretativa.
O
ministério de Jesus foi bem planejado. Não só seu final, voluntário e
não obra do acaso, mas todo o seu desenrolar. Cristo selecionou e reuniu
junto a si um grupo de homens, a fim de que fossem instrumentos,
testemunhas instrumentárias do que Ele faria/não faria,
ensinaria/ordenaria. Não que Seu ensino dependesse da autenticação do
grupo. Mas a Sua existência, origem e trabalho históricos necessitavam
ser autenticados pelo depoimento de quem havia participado diariamente,
intensamente, dos Seus últimos três anos de vida terrena . E que grupo!
Um coletor de impostos (e todos duvidavam da honestidade dos
publicanos), um ladrão com vocação terrorista (que se tornou traidor),
dois irmãos "capitalistas" que exploravam uma empresa pesqueira (seriam
eles pobres como sempre imaginamos?)... Jesus tinha uma maneira bem
peculiar de acercar-se de pessoas contrastantes, sem fazer distinção
entre elas. Um círculo menos íntimo também foi chamado a ser depoente,
constituído por mulheres (algumas prostitutas inclusive; ou,
ex-prostitutas), outros funcionários da burocracia romana e os mais
variados tipos de pecadores confessos, bem como algumas autoridades
religiosas judaicas.
Aos apóstolos cabia testificar, comprovar, assegurar:
1. que
aquele Jesus, filho de José e Maria, descendente de Davi, da antiga
tribo de Judá, era o Messias, aquele que havia de vir, como predito
pelos profetas:
"Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará de suas raízes.
Sobre
ele repousará o Espírito de Iahweh, espírito de sabedoria e de
inteligência, espírito de conselho e fortaleza, espírito de conhecimento
e de temor de Iahweh: no temor de Iahweh estará a sua inspiração.
Ele não julgará segundo a aparência.
Ele não dará sentença apenas por ouvir dizer.
Antes, julgará os fracos com justiça,
com equidade pronunciará uma sentença.
Ele ferirá a terra com o bastão da sua boca
e com o sopro dos seus lábios matará o ímpio.
A justiça será o cinto dos seus lombos
e a fidelidade, o cinto dos seus rins" (Is 11.1-5)
2. que
a Sua morte não fora obra das forças políticas, mas deliberadamente
planejada e executada, como Ele advertira os incrédulos apóstolos em Lc
18.31-33:
"...Eis que
estamos subindo a Jerusalém e vai cumprir-se tudo o que foi escrito
pelos Profetas a respeito do Filho do Homem. De fato, ele será entregue
aos gentios, escarnecido, ultrajado, coberto de escarros; depois de o
açoitar, eles o matarão".
Também todo o sucedido fora anunciado pelo menos 500 anos antes, como está escrito em Is 53:
"Mas Iahweh quis feri-lo, submetê-lo a enfermidade." (v 9)
"Foi maltratado, mas livremente humilhou-se e não abriu a boca...
Após detenção e julgamento, foi preso." (V 7,8)
3. que
Sua morte e ressurreição cumpriam um plano urdido por Deus Pai desde a
fundação do mundo, tendo ambas um significado único na história da
humanidade. No mesmo "IV canto do servo", em Isaías, lemos
"E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si,
as nossas dores que ele carregava...
Mas ele foi trespassado por causa das nossas transgressões,
esmago em virtude das nossas iniquidades;
o castigo que havia de trazer-nos a paz, caiu sobre ele,
sim, pelas suas pisaduras fomos curados." (v 4,5)
e o apóstolo Pedro, no discurso no dia de pentecostes, afirma:
"Davi...
sendo, pois, profeta,... previu e anunciou a ressurreição de Cristo... A
esse Jesus Deus o ressuscitou, e disto nós todos somos testemunhas...
Saiba, portanto, com certeza, toda a casa de Israel: Deus o constituiu
Senhor e Cristo, esse Jesus a quem vós crucificastes" (At 2.29-36)
Paulo, escrevendo à igreja que estava em Corinto, por ele iniciada, alerta:
"E,
se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé; ainda estais nos
vossos pecados... Se temos esperança em Cristo tão-somente para esta
vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens." (I Co 15.17-19)
Enquanto
Igreja, somos constituídos sobre o fundamento lançado por Cristo Jesus e
seus apóstolos. Temos acesso a Deus pelo sangue da cruz, e vida eterna
pela Sua ressurreição. Este é o testemunho básico que eles nos deixaram,
por conhecê-lo em primeira mão, e não por ouvir falar. E todo o
restante dos cristãos testemunham essa mesma verdade, após tê-la
experienciado pessoalmente, de modo íntimo e único (assim como cada ser
humano é único em si mesmo), como relatado na carta de Paulo aos
romanos: "o próprio Espírito (de Deus) se une ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus"
(Rm 8.16). Nosso testemunho é, a rigor, de segunda mão. Mas isso de
modo algum lhe tira o valor, pois Jesus já nos autorizou a dá-lo, quando
disse a Tomé: "Porque viste, creste. Felizes os que não viram e creram!" (Jo 20.29)
Nos
nossos dias é muito popular testemunhar sobre o que Deus tem feito nas
nossas vidas. Habitualmente, tal depoimento diz respeito à saúde
orgânica/psicológica ou financeira. Ainda que tenha seu valor, não é
esse relato para o qual fomos comissionados;
relatos subjetivos, emotivos, muitas vezes bonitos, que carregam em si o
vírus de atrair pelos benefícios, e não pela verdade dos fatos. E o
próprio Senhor se irritou com esse tipo de atitude, como narra João: "em verdade, em verdade, vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos saciastes"
(Jo 6.26). Se a nossa declaração se resume nas maravilhas e nos "lucros"
que a conversão pode significar, traímos o verdadeiro sentido do
Evangelho, ou seja:
1)"Não há homem justo,
não há um sequer,
não há quem entenda,
não há quem busque a Deus.
Todos se transviaram,
todos juntos se corromperam;
não há quem faça o bem,
não há um sequer." (Rm 3.10-12)
2)"Nisto consiste o amor:
não fomos nós que amamos a Deus,
mas foi Ele quem nos amou
e enviou-nos o Seu Filho
como vítima de expiação pelos nossos pecados" (I Jo 4.10)
3)"Tendo sido, pois, justificados pela fé, estamos em paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5.1) e "Portanto, não existe mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus" (Rm 8.1)
O
Evangelho não é um apelo ao nosso conhecimento dito científico.
Portanto, Deus e Cristo não precisam provar nada. É um apelo aos nossos
sentimentos mais interiores, de natureza puramente "filosófica": ou nos
consideramos afastados de Deus ou não; ou aceitamos a morte substitutiva
de Cristo na cruz, ou não. Mas não solicitemos provas, pois o apóstolo
já nos advertiu: "Deus não tornou louca a sabedoria deste
século? Com efeito, visto que o mundo por meio da sabedoria não
reconheceu a Deus na sabedoria de Deus, aprouve a Deus pela loucura da
pregação salvar aqueles que crêem. Os judeus pedem sinais, e os gregos
andam em busca de sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado,
que para os judeus é escândalo, para os gentios é loucura, mas para
aqueles que são chamados, tantos judeus quanto gregos, é Cristo, poder
de Deus e sabedoria de Deus" (I Co 1.21-23).
publicação original, 16/09/08, em http://crerpensar.blogspot.com.br/2008/09/e-sereis-minhas-testemunhas.html