Eduardo Ribeiro Mundim
Segundo Rubem Alves1
a cultura é uma consequência da imaginação do homem, o único animal que
não é o seu corpo, mas o possui; cultura, ou mundo imaginário, que
somente surge porque há uma ausência básica, que se manifesta através do
desejo. Este, como nunca é satisfeito, torna-se representado pelos
símbolos. O mundo real tem de fazer sentido, por isso o homem atribui
valores a diferentes aspectos deste real, buscando na dureza da
realidade, torná-la mais humana.
Apesar
de teólogo por formação inicial, Rubem Alves não parte, naquele livro,
do ponto de vista bíblico. Mas não posso deixar de pensar no relato de
Gênesis tendo a hipótese dele em mente.
E
o que vejo é um desafio para o primeiro casal: construir um mundo
imaginário que, de certa forma, se tornasse um pouco deles mesmos, e não
algo que lhes fosse completamente externo. Para alguns crentes, é
sempre bom lembrar algumas lições que o Éden traz: Deus não é suficiente
para o homem! Ele necessita de algo que a Trindade não lhe pode dar,
porque assim Ela o definiu ao criar o homem do material da terra. "Não é
bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe
CORRESPONDA" (2.18) Por livre e soberana decisão, Deus dá ao homem a
constituição de só ser completo na presença de um igual.
E
o homem, enquanto comunidade, tem a ORDEM de dar nome aos animais, de
coordená-los, e Deus se ausenta do jardim. Para que o homem possa
construir um mundo que o retrate / espelhe de algum modo, o Senhor Deus
voluntariamente o deixa só, apenas eles, homem e mulher, para tomarem as
decisões que julgarem acertadas.
O
texto sagrado diz que, ao final da tarde, Deus PASSEAVA pelo jardim;
Ele não estava fiscalizando o andamento das obras, verificando se tudo
estava conforme a Sua vontade. Passeia quem está se deleitando,
relaxando, "curtindo a vida". Na tarefa de criar mundos, Deus se sente
tranqüilo e aguarda que Seus filhos lhe tragam, por prazer, os frutos da
independência que Ele lhes deu!
Talvez
a ausência da constante permanência divina seja a ausência citada por
Rubem Alves. Talvez o fruto da árvore da vida represente, seja o
símbolo, da ausência voluntária, por decisão unilateral, de Jeová. A
outra grande lição é que a ausência não é, necessariamente, um mal,
porque ela foi plantada no mundo por Aquele que o planejou e executou. A
ausência é divina na sua origem, e é a partir dela que a humanidade
deveria ter torneado a natureza.
A
cultura humana é um mandato divino - ou melhor, faz parte da
constituição do homem por decisão soberana do Criador. Ser homem /
mulher é ter a necessidade vital de construir mundos que transcendem o
indivíduo, abrangendo a comunidade. Cultura humana é realização divina.
E
se o pecado desvirtua o propósito original (e aqui pode ser entendido
como a decisão humana de dizer que não aceita o vazio que Deus dá; o
homem prefere criar, ele mesmo, a ausência que vai guiá-lo doravante),
não o anula. No primeiro grande empreendimento humano, a Torre de Babel,
o erro está no desejo da uniformidade: um único projeto, megaprojeto,
com um único objetivo. E Deus força o homem a diversidade, impondo-lhe
línguas diferentes, para que seu desejo de diversidade e criatividade
prevalecesse.
Não
é isto que o número de espécies de seres vivos, maior que o número das
estrelas do céu, ou dos grãos de areia da praia, demonstra?
Criatividade,
diversidade cultural, são intenções divinas. Neste momento me questiono
se a constante fragmentação do mundo evangélico não seria uma tosca
realização deste mandato divino...
E
no Apocalipse, o apóstolo João conta que a realização humana é
plenamente incorporada nos novos céus e terra. O que ele vê descendo do
céu: um novo Éden? Não, uma cidade. Cidade é idealização humana,
construção humana. A vida eterna não é um regresso ao paraíso perdido,
mas a redenção de tudo aquilo que construímos, enquanto humanidade, na
nossa trajetória.2
1 Alves R O que é religião, 2a ed, Editora Brasiliense, SP, 1981
2 Ellul Jacques Apocalipse, Estrutura em movimento, Editora Paulinas, SP, 1979
publicação original, 17/07/08, http://crerpensar.blogspot.com.br/2008/07/cultura-jardim-do-den-e-apocalipse_17.html
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